A conspiração internacional para derrubar os presidentes progressistas do continente com uso da mídia e do Judiciário
Por Eduardo Vasco
“Como não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral, compartilho com vocês isto aqui.”
Com essas palavras
agressivas um ex-presidente sul-americano iniciava a explicação de um
plano conspiratório a outros ex-presidentes latino-americanos, em uma
suíte do hotel Marriot, em Atlanta (EUA), no final de novembro de 2012.
A primeira etapa da
conspiração seria iniciar uma campanha de desprestígio através dos meios
de comunicação contra os presidentes progressistas e de esquerda da
região para minar sua liderança. A pressão midiática levaria à segunda
etapa: a instauração de processos judiciais para interromper o mandato
dos governantes.
O Plano Atlanta resultaria
nos chamados “golpes suaves” – “encobertos de julgamentos políticos
precedidos por escândalos de corrupção, ou campanhas dirigidas a
ventilar supostos comportamentos questionáveis da vida íntima dos
líderes progressistas; incluindo, se fosse necessário, familiares,
amigos ou pessoas próximas”.
Quem conta é Manolo
Pichardo, deputado dominicano e atual presidente da Conferência
Permanente de Partidos Políticos da América Latina e Caribe (COPPAL), em
um artigo publicado em março de 2016 no jornal Listín Diario, da República Dominicana, intitulado “El Plan Atlanta”, denominação que ele deu à trama continental.
Em entrevista exclusiva à Pravda.Ru,
o político diz que presenciou a conversa “por acaso”. Não era o tipo de
reunião que o agradava. Pichardo, dirigente do Partido da Libertação
Dominicana, de centro-esquerda, estava acostumado a participar de
encontros do Foro de São Paulo ou da própria COPPAL, mesmo antes de
assumir sua presidência.
Graças à amizade com um
ex-presidente da América Central, ele começou a frequentar fóruns
organizados pela direita e centro-direita latino-americana, com a
presença de lideranças a nível mundial e suporte de instituições como
Global Peace Foundation, Conferencia Liderazgo Uruguay, Instituto Patria
Soñada e Fundación Esquipulas.
O primeiro que participou
foi realizado em 2011, em Brasília. Os debatedores, segundo ele,
proclamavam “discursos servis” aos Estados Unidos e acusavam os governos
latino-americanos de agirem com desconfiança injustificada em relação a
Washington. Além disso, “louvava-se a liberdade dos mercados e a
diminuição do Estado”. As palavras de Pichardo no encontro, criticando a
desigualdade social e se referindo à crise estrutural do capitalismo,
iam de encontro ao discurso dos outros participantes.
“Lembro-me muito pouco do
encontro de 2011 em Brasília, posso dizer que ali estava reunida a
liderança continental que corresponde, em sua maioria, aos interesses
dos setores conservadores do nosso continente, incluindo ex-presidentes.
Eu, por exemplo, expus em uma mesa com dois ex-presidentes da região:
um extremamente conservador e um social cristão de centro, de ideias
moderadas”, recorda.
O outro evento ao qual
compareceu foi o que originou a Missão Presidencial Latino-americana
(MPL), conferência realizada entre 28 de novembro e 1º de dezembro de
2012 no hotel Marriot, na cidade de Atlanta, que reuniu ex-mandatários
de diversos países e líderes de diferentes setores da América Latina e
dos EUA. No final da conferência, foi lançada a Declaração de Atlanta,
carta de compromisso assinada pelos ex-presidentes que participaram da
1ª Cúpula da MPL.
A Cúpula buscou dar
“impulso a uma nova era de relações internacionais entre os Estados
Unidos e a América Latina”, segundo o comunicado emitido à imprensa em
30 de novembro daquele ano. No mesmo documento, são citados como
participantes da 1ª Cúpula da MPL alguns ex-presidentes de países da
América Central e do Sul. O ex-presidente brasileiro José Sarney não
participou da Cúpula, mas comunicou seu apoio.
Na Declaração de Atlanta os
membros da MPL defendem o “estreitamente de laços” entre América Latina
e EUA, “fortalecendo o comércio, os investimentos, o intercâmbio de
experiências e tecnologia a longo prazo”.
A reunião privada em que
foi exposto o Plano Atlanta ocorreu antes da assinatura da Declaração.
Pichardo resolveu, anos depois, revelar o conteúdo da conspiração ao
denunciá-la em fóruns internacionais e meios de comunicação
latino-americanos.
“De fato, nunca pensei que
falaria sobre esse tema”, aponta. “A ideia de fazê-lo surge depois de
conversar com alguns amigos e companheiros do meu partido que me
convenceram que, pela gravidade do que havia sido revelado, era
necessário denunciá-lo. Eu insistia que isso colocaria em apuros os que
me convidaram, mas me insistiam que o pior que podia acontecer era o
dano à região, a ruptura da ordem democrática e o retrocesso em matéria
da institucionalidade que permitiu conquistas econômicas e sociais”,
completa o ex-presidente do Parlamento Centro-americano (PARLACEN).
Envolvimento da mídia e de um juiz brasileiros
Para conseguir implementar o
Plano Atlanta, o ex-presidente sul-americano que explicou a trama a
seus pares afirmou contar com a ajuda dos meios de comunicação,
inclusive mencionando veículos brasileiros. Entretanto, perguntado pela
reportagem, Pichardo diz não se lembrar exatamente quais foram citados.
Em seu artigo de 2016, o
político dominicano afirma que também se mencionou “alguns nomes de
indivíduos ligados às instituições judiciais da região comprometidos com
a conspiração”. À Pravda.Ru, ele revela que um dos juízes citados é brasileiro, mas também não lembra seu nome.
“Recordo que inclusive
falou-se de um juiz com o qual se podia contar para a execução da trama.
Mas não posso me lembrar de nomes, pois cheguei àquela reunião por
acaso”, explica.
Lula: a “joia da coroa”
Em seu artigo, Pichardo
questiona se as quedas dos presidentes de Honduras, em 2009, e do
Paraguai, em 2012, teriam servido de laboratório para futuras ações do
Plano Atlanta em países de maior peso na América Latina.
“Foram Manuel Zelaya e
Fernando Lugo tubos de ensaio para chegar ao resto, aos [presidentes ou
ex-presidentes] de países com maior peso econômico da região, até
alcançar a ‘joia da coroa’, que é, sem discussão, Lula Da Silva, o líder
mais influente, para com sua queda provocar o efeito dominó que parecem
buscar?”
Ele conta a esta reportagem
que, “conhecidos os detalhes da urdidura revelada ou concebida em
Atlanta, é fácil deduzir que o que ocorre no Brasil e [em] outras partes
da região, onde se persegue ou se destitui líderes progressistas no
governo, é sua execução”. Segundo ele, tal operação conquistou êxito
após os ensaios que foram os golpes em Honduras, com presença militar, e
depois no Paraguai, mais aperfeiçoado, por “vias institucionais”.
“Me parece que o empenho em
[desestabilizar o] Brasil tem a ver com o peso de sua economia e sua
influência na região e no mundo, não podemos esquecer que o gigante
sul-americano é parte do BRICS, um esquema de cooperação que surge como
expressão da perda de hegemonia ocidental e Lula, sem dúvida, construiu
uma liderança que tem influenciado na região, uma liderança que promoveu
esquemas de integração regionais que vão dando sentido à
latino-americanidade, que, mais que um sentimento de pátria, é um
projeto de independência que nos empurra para uma agenda própria que nos
distancia de ser o quintal dos Estados Unidos. Lula, portanto, é um
alvo.”+
Pravda.Ru